A crescente judicialização do acesso a medicamentos de alto custo, especialmente para doenças raras, tem dominado debates no Brasil e gerado tensões entre pacientes, o Estado e o sistema de saúde. Para discutir esse cenário complexo, a Associação Médica de Brasília apresenta um artigo baseado em entrevista concedida à Rádio Justiça pelo nosso diretor de Editoração Científica, Dr. Eduardo Freire Vasconcellos, e pela professora e especialista em Direito da Saúde, Dra. Alexandra Moreschi, que também é presidente da Comissão do Direito da Saúde da OAB do Distrito Federal e vice-presidente do Conselho de Saúde de Brasília.

O que é a judicialização e por que ela cresce
No Brasil, milhares de pacientes recorrem ao Poder Judiciário para garantir acesso a tratamentos indisponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente medicamentos de alto custo destinados ao tratamento de doenças raras. A judicialização ocorre devido às limitações orçamentárias do SUS e aos rigorosos processos para aprovação e incorporação de novos medicamentos, o que deixa muitas pessoas com necessidades urgentes sem acesso aos cuidados necessários.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou um acordo com o Governo Federal, estados e municípios para regulamentar, de forma excepcional, o fornecimento desses fármacos. O objetivo é estabelecer critérios técnicos e jurídicos que evitem o excesso de demandas judiciais. Mesmo com essas medidas, o acesso justo e sustentável aos medicamentos continua sendo um desafio.
Doenças raras e o impacto dos medicamentos de alto custo
Doenças raras atingem cerca de 13 milhões de brasileiros. Os tratamentos mais modernos, muitas vezes à base de anticorpos monoclonais, têm alto potencial terapêutico, proporcionando melhor qualidade de vida aos pacientes, mas os custos são extremamente elevados.
É desumano negar a um paciente o acesso a um tratamento eficaz apenas porque o custo inicial é alto, afirma o Dr. Eduardo. Ele ressalta que o investimento inicial pode, na verdade, gerar economia futura ao evitar internações e complicações decorrentes da doença sem tratamento.
A Dra. Alexandra Moreschi complementa com o exemplo da Atrofia Muscular Espinhal (AME). Um dos medicamentos disponíveis tem custo único aproximado de 5,5 milhões de reais. Já outro, incorporado ao SUS, custa cerca de 300 mil reais por dose trimestral e exige uso contínuo. Essa diferença impacta diretamente tanto a qualidade de vida quanto o custo-benefício de cada tratamento.
A importância da pesquisa clínica para o futuro
Outro ponto central do debate é o baixo investimento em pesquisa clínica no Brasil. Apenas 2% da pesquisa mundial é realizada no país. Países com menor capacidade econômica, como a Polônia, se destacam na área por adotarem políticas públicas que incentivam a pesquisa.
Segundo o Dr. Eduardo, ampliar os investimentos em pesquisa clínica no Brasil traria múltiplos benefícios. Ele cita o acesso precoce a medicamentos inovadores, a redução da judicialização e o estímulo à inovação no setor público de saúde. Além disso, destaca que embora uma nova lei sobre pesquisa clínica tenha sido aprovada há quase um ano, sua implementação ainda não ocorreu. Isso atrasa avanços importantes nessa área.
A Dra. Alexandra reforça que o problema não está na falta de recursos financeiros. Para ela, a maior barreira é a ausência de gestão eficiente e de vontade política para dar continuidade às políticas públicas. Ela defende uma abordagem institucional que não dependa das mudanças de governo, com investimentos consistentes e focados na saúde da população.
Regras claras para a judicialização
O acordo do STF estabeleceu critérios mais objetivos para os pedidos judiciais, como comprovação da eficácia e segurança do medicamento, inexistência de substituto terapêutico disponível e demonstração de incapacidade financeira para arcar com o tratamento. Também ficou determinado que essas ações devem tramitar somente após o esgotamento de todas as alternativas administrativas.
Essas regras visam evitar demandas sem embasamento técnico-científico, que sobrecarregam o Judiciário e o SUS. Dessa forma, a judicialização passa a ser um instrumento legítimo e eficaz apenas para os casos realmente necessários.
Medicina preventiva e gestão eficiente como futuro do SUS
Os especialistas concordam que o fortalecimento da atenção básica e da medicina preventiva é essencial para o futuro do SUS. O Dr. Eduardo cita dados que mostram como programas de acompanhamento de pacientes com doenças crônicas podem reduzir significativamente os custos e aumentar a satisfação dos usuários.
A Dra. Alexandra destaca que o SUS é a base do sistema de saúde brasileiro e atende toda a população, inclusive aqueles que acreditam não utilizá-lo. Segundo ela, o desafio não está na estrutura do SUS, mas na necessidade de uma gestão centrada no paciente, eficiente e contínua.
Conclusão
A judicialização do acesso a medicamentos de alto custo para doenças raras, embora essencial para garantir direitos individuais, revela fragilidades estruturais do SUS. A solução passa pela integração de pesquisas clínicas consistentes, políticas públicas contínuas, gestão eficiente de recursos e fortalecimento da medicina preventiva.
Como destacam Dra. Alexandra Moreschi e Dr. Eduardo Freire Vasconcellos, o Brasil tem plenas condições de ser referência em saúde pública. Para isso, é necessário vontade política, planejamento estratégico e valorização da ciência e da pesquisa. O desafio é grande, mas o compromisso com a transformação do sistema de saúde é fundamental para garantir qualidade de vida aos brasileiros.
Clique aqui e acesse o debate realizado no canal do YouTube da Rádio e TV Justiça, ou assista ao vídeo abaixo.